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Para que(m) são os Institutos Federais?

Institutos Federais continuam oferecendo formação profissional para trabalhadores e filhas/filhos da classe trabalhadora – Rodrigues-Pozzebom/ ABr

Gaudêncio Frigotto é filósofo e pedagogo, mestre e doutor em Educação. Professor titular emérito na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Tiago Fávero de Oliveira é filósofo. Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (UERJ). Professor do IF Sudeste MG – Campus Santos Dumont

A Educação Profissional no Brasil sempre esteve ligada a um recorte de classe bem definido. Em sua criação, as escolas profissionais se destinavam aos desvalidos da sorte e da fortuna, miseráveis e órfãos, cuja formação recebida os capacitava para assumirem trabalhos manuais de baixa complexidade e remuneração e, também, para afastá-los da ociosidade.

O tempo passou e várias reformas e contrarreformas atingiram a Rede Federal de Educação Profissional. A mais importante delas foi a criação, em 2008, dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: instituições que estão presente em todas as regiões do país, de modo interiorizado, oferecendo educação básica, profissional, superior e pós-graduação, tendo como base a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão e buscando uma organização verticalizada para o desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação.

Atualmente, dados da Plataforma Nilo Peçanha indicam que o público atendido pelos Institutos Federais (IFs) permanece ligado ao mesmo recorte de classe da história da educação profissional no Brasil. Dados referentes ao ano de 2022, mostram que 60,01% das matrículas na Rede são de estudantes com renda familiar de até 1,5 salário-mínimo. Se tomarmos o intervalo histórico em que a Plataforma foi criada, esta média indica que o número de estudantes mais pobres atendido pelos Institutos aumentou, uma vez que em 2018 (primeiro ano da série), estudantes com renda de até 1,5 salário-mínimo representava 46,09% das matrículas. Se analisarmos o sexo, os IFs atendem em sua maioria mulheres: 54,22% das matrículas de 2022 são de estudantes do sexo feminino. Em 2018, este total representava 47,11%. Quanto ao recorte de raça, no ano de 2022, pretos, pardos e indígenas representam 57,61% dos estudantes que assim declararam no ato da matrícula.

Mas o que se pode concluir a partir destes dados? Muito além de reafirmar que os Institutos Federais continuam oferecendo formação profissional para trabalhadores e filhas/filhos da classe trabalhadora, é possível entender que esta formação oferecida vai muito além daquela que marcou o início da centenária história da Rede. Por conta de uma estrutura física bem mais arrojada que grande parte das escolas públicas do país (laboratórios, insumos, bibliotecas, entre outros), os IFs contam com docentes, em sua maioria efetivos, com alta qualificação (mestrado e doutorado), realizando pesquisa, extensão e ensino comprometidos com a melhoria da qualidade de vida das comunidades em que os campi estão instalados. Isso representa uma revolução, uma vez que a parte da parcela pobre da população passa a ter acesso, pela primeira vez, a uma educação que tem condições materiais efetivas para a garantia da qualidade.

Apesar destas evidências, é fundamental destacar que este público atendido pelos IFs é duramente penalizado pelo texto da contrarreforma do Ensino Médio aprovado recentemente na Câmara dos Deputados. Tal penalização se dá através de dois caminhos, quais sejam: a redução da carga horária das disciplinas da formação básica (sobretudo no caso das ciências humanas) e, também, pela fragmentação do currículo operada pela proposição dos itinerários formativos. Estes dois fatores incidem sobre a proposta do Ensino Médio Integrado, atingindo em cheio uma alternativa de modelo educacional que é capaz de preparar os estudantes tanto para a inserção num mundo do trabalho complexo quanto para o pleno exercício da cidadania (política, econômica e social). Desconsiderar o Ensino Médio Integrado e atacá-lo por meio da contrarreforma é minar as condições para que a maioria das filhas e dos filhos da classe trabalhadora, em particular descendentes de pretos, pardos, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores, ribeirinhos, consigam ter acesso aos fundamentos das ciências, tanto as que regem a natureza quanto aquelas que organizam a vida em sociedade.

Por outro lado, além de atacar a juventude atendida pelos Institutos Federais, a contrarreforma opera o mesmo movimento junto aos estudantes do Ensino Médio regular, matriculados nas escolas públicas estaduais. Neste caso, apesar da manutenção e até mesmo da expansão da carga horária de aulas, o ataque se dá pelo fato deste aumento acontecer num contexto marcado pelo esvaziamento do currículo, que é operado de modo improvisado, a partir de disciplinas que não contribuem para a formação integral dos estudantes. Além disso, não se pode deixar de registrar que a contrarreforma não resolve problemas relacionados à base material do Ensino Médio regular, contribuindo com a manutenção de uma estrutura precária. Nos dois casos (do Ensino Médio Regular e, também, do Integrado) o que se observa é um ataque frontal aos jovens da classe trabalhadora do campo e da cidade que têm seu futuro confiscado diante de projetos que não capazes de atender às suas demandas reais.

Note-se, portanto, que como aludimos acima, por dois caminhos distintos, o texto da contrarreforma não apenas mantém, mas agrava a dualidade estrutural no Ensino Médio penalizando o conjunto das filhas e filhos da classe trabalhadora que frequentam a escola pública. No caso dos IFs, onde há base material adequada (espaço físico, laboratórios, bibliotecas, docentes e técnicos altamente qualificados atuando numa só instituição e com salários e carreira dignos) se faz um corte abrupto da carga horária total. No caso das escolas públicas dos estados da federação, onde esta base material é frágil, amplia-se a carga horária, todavia, precarizada.E, tanto para os IFs, quanto para as escolas estaduais, liquida-se para este nível de ensino público o seu sentido de educação básica. E sem esta base as escolhas do futuro ficam truncadas para o ensino superior e para o mercado de trabalho.

Curioso é que nenhum engenheiro sério estrutura um prédio sem a base sólida. Tão pouco, não há esportes, ginástica rítmica, balé, domínio de instrumentos musicais e da voz para cantar sem sólidos fundamentos, ou seja, sem base. A contrarreforma do Ensino Médio proposta sequestra aos jovens da escola pública justamente a base – o conhecimento na unidade diversa do ser humano, ao mesmo tempo natureza e ser social. Este sequestro não é um descuido da classe dominante brasileira, como defendia Darcy Ribeiro, mas projeto para manter seus privilégios.

Deste modo, permanece atual a reflexão do grande defensor da escola pública Florestan Fernandes, para quem a educação é o grande dilema e problema do Brasil, sendo que ela se constitui como a chave para decifrar o nosso enigma histórico. É através dela que os indivíduos serão capazes de reconhecer os problemas, condição fundamental para uma solução que combina “uma consciência crítica e negadora do passado com uma consciência crítica e afirmadora do futuro”. Tal situação dialoga diretamente com a dimensão da práxis, a partir da qual um povo, que tem acesso a uma educação comprometida com a emancipação e a autonomia, não aceitará as condições de miséria, exploração e desemprego que estão colocadas no país em nossos dias e saberá trilhar os caminhos para superar este cenário.

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